Discutir a articulação entre a democracia e a gestão pública, às vezes parece complicado, não? Nós observamos isso por onde quer que a equipe do Colab passe, e por isso resolvemos conversar um pouco sobre esse assunto com a nossa rede.
A democracia participativa surgiu no Brasil com a promulgação da Constituição de 1988, que estabelece a participação direta dos cidadãos nas tomadas de decisão de líderes políticos e órgãos públicos. Esse documento propõe novas formas de diálogo entre poder público e sociedade, por meio de canais e mecanismos de participação social. O processo de democratização, então, está ligado à ampliação dos fóruns de decisão política, permitindo a manifestação de novos sujeitos sociais.
A participação social é a influência dos indivíduos na organização de uma sociedade – ou seja, como os cidadãos controlam, fiscalizam e acompanham as políticas públicas – além de cumprirem a função de promover um diálogo mais frequente entre os governos e a sociedade civil. É um princípio de integração dos indivíduos nos diversos núcleos da sociedade que discutem assuntos que são pertinentes ao coletivo. Quando falamos disso, estamos falando de mecanismos como conferências, conselhos, ouvidorias, audiências públicas, consultas, etc., que podem existir nas esferas presenciais e virtuais de participação. Aqui, vale ressaltar que a participação social é diferente da participação popular, que consiste em formas mais independentes de atuação, como os movimentos sociais.
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO NO BRASIL
Talvez o principal desafio da democratização da gestão pública no Brasil está relacionado a pensar quem são as pessoas que têm acesso aos meios de participação social existentes. Segundo o sociólogo Orlando Alves dos Santos Jr., professor da UFRJ, a população que se envolve atualmente representa poucos segmentos sociais, deixando sub representados sobretudo os grupos de mais vulnerabilidade e situação de exclusão social. O desafio é, então, tornar estes mecanismos mais diversos, trabalhando para que sejam conhecidos e reconhecidos pelas populações mais vulneráveis, e acessíveis considerando as características dos diferentes grupos.
Ao falar disso, estamos falando sobre uma necessidade de publicização, ou seja, a necessidade de incorporar mecanismos que dinamizam a participação social, de modo que ela seja cada vez mais representativa de todos os segmentos da sociedade.
A publicização é uma forma de alterar a tendência histórica de subordinação da sociedade civil frente ao Estado, fortalecendo as formas democráticas de relação entre as esferas estatal e privada.Outro fator que é apontado por muitos como um desafio para democratizar a gestão das cidades é o desinteresse da população pela política. A pesquisa “O Sonho Brasileiro da Política”, que entrevistou mais de mil pessoas entre 18 e 32 anos, apontou que 38% não gostaria de participar mais ativamente da política, e 23% têm pouco interesse. Cabe entender, então, como se dá esse desinteresse, e quais seriam as razões pelas quais esse desinteresse é tão representativo nas pesquisas. Muitos estudos apontam que a escolaridade é um dos fatores mais relevantes para o engajamento político dos cidadãos.
Estes estudos trazem relações entre escolaridade e interesse por política, engajamento cívico e social, comparecimento às urnas, dentre outras coisas. Os pesquisadores que trazem essas informações estão falando sobre os impactos que a educação formal tem no processo de formação de cidadãos mais politizados, por meio das possibilidades de engajamento com o conteúdo político tanto nas salas de aula, como também fora, mas que o ambiente escolar proporciona a conexão. Além do engajamento, estão falando também de três efeitos, como descreve Rogerio Schlegel: o desenvolvimento de capacidades cognitivas que estimulam a busca por informação e favorecem a compreensão; o aprendizado de valores, ou regras sociais, relacionados à democracia; o aprendizado do indivíduo sobre seu lugar na sociedade.
O índice de escolaridade no Brasil deixa a desejar: segundo o ranking divulgado pela OCDE em 2017, de 36 países o Brasil ficou em 35o no quesito “anos de escolaridade” Ou seja: o desinteresse da população por política, apontado como um desafio para democratizar a gestão das cidades, está associado ao baixo nível de escolaridade.
A própria OCDE avalia isso, quando diz que a educação pode diretamente aumentar o engajamento cívico e político propiciando informação e experiência relevantes e desenvolvendo competências, valores, atitudes e crenças que encorajam a participação cívica. Ela pode indiretamente aumentar o engajamento elevando o status social dos indivíduos, potencialmente oferecendo assim acesso ampliado ao poder político e social.Mas podemos pensar além disso: das pessoas que estão nas escolas, o quanto elas são envolvidas por conteúdos políticos? Humberto Dantas, professor da USP, faz uma provocação interessante nesse sentido:
“Um jovem que vai à escola e toma contato com disciplinas associadas às ciências humanas, biológicas e exatas pode, em sua vida profissional, deixar parte desses conteúdos de lado. Ainda assim, ele os vê, e tais aspectos são considerados importantes para sua formação. Esse mesmo indivíduo, a despeito de suas escolhas futuras, será um eleitor, e encontrará com as urnas compulsoriamente durante 52 anos, dos 18 aos 70 anos de idade. E a imensa maioria dos brasileiros nunca será formalmente orientada acerca da relevância e do funcionamento das eleições e da democracia como um todo?” (Humberto Dantas, 2010)
Humberto reforça o quanto a população não compreende o sistema eleitoral. É muito comum as pessoas confundirem o que é de competência do executivo, do legislativo e do judiciário, e também não saberem como funciona o sistema de votos, não acreditarem que sua participação nas eleições tenha real efeito sobre a política e a gestão do país.. Partindo desse ponto, como esperar que essas pessoas conheçam os mecanismos de participação social citados anteriormente, e sintam-se motivadas a participar da gestão da cidade?