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Mitos e verdades sobre gestão de riscos: conhecereis os mitos e a verdade vos libertará

30.11.2023
Autor: Arlindo Nascimento Rocha
governo

“Até mesmo uma decisão correta é errada se tomada muito tarde” [Lee Iacocca].

A humanidade, segundo o sociólogo alemão Erich Fromm, começou com a assunção de um risco (desobediência) que representa, ao mesmo tempo, o princípio da liberdade e o desenvolvimento do raciocínio, ou seja, foi o primeiro ato de transgressão que, literalmente, abriu os olhos dos nossos pais celestiais para o bem e para o mal. Com isso, passaram a seguir suas próprias inclinações e a conviver com todos os perigos que, a partir da separação ontológica, tiveram que superar diariamente.

A evolução do homem, desde então, esteve sempre atrelada ao conhecimento dos mecanismos da natureza e à previsão dos perigos. Seu primeiro lar era um lugar seguro, tranquilo e tudo existia em perfeita harmonia. Com a perda do seu referencial ontológico, seu único objetivo passou a ser a garantia da própria sobrevivência. Desta forma, precisou reinventar-se em um mundo absolutamente caótico, enfrentando situações cada vez mais complexas que o obrigaram a aprimorar suas habilidades físicas e mentais, sofisticando-as continuamente.

Com a complexificação da sociedade, percebeu que viver em ‘comunidade’ implicava estabelecer laços cada vez mais sólidos que permitiam, não só, obter mais segurança, mas também, partilhar informações sobre os animais que caçavam, das plantas que coletavam, dos riscos e infortúnios ligados à vida cotidiana. A evolução favorece aqueles que foram capazes de superar os riscos e estabelecer laços fortes e duradouros que subsidiaram a continuidade da espécie humana, e, pelo acúmulo de conhecimento foram capazes de prever certos riscos, executar estratégias e propor soluções eficazes.

Por isso, os homens ascenderam tão rapidamente ao topo que os ecossistemas não tiveram tempo de se ajustar às demandas cada vez maiores. Estas aumentaram incontrolavelmente que novas transgressões não demoraram para acontecer. O fruto disso foi o esgotamento de alguns recursos que levaram à dispersão inicial dos homens. Logo, é verossímil afirmar que a transgressão não é algo novo, pois existe desde os primórdios. O primeiro ato transgressivo é antigo e do conhecimento de grande parte dos homens, já os subsequentes, apenas seu conhecimento é novo para alguns homens, mas, todos, já perceberam o quão é importante minimizá-los.

Se os primeiros homens, ainda que, intuitivamente souberam até certo ponto, lidar e evitar certos riscos para a manutenção da sua sobrevivência, atualmente continuamos seguindo a mesma estratégia. E mais, continuamos lidando com velhos e novos riscos. Os velhos provêm de desenvolvimentos dramaticamente negativos que deveriam ser previstos, e até evitados, mas, tal não aconteceu e os novos, do nosso egoísmo e irresponsabilidade ambiental, social, cultural e econômica.

A única diferença é que, atualmente, podemos afirmar com absoluta segurança, que é possível fazer uma gestão de riscos de forma cada vez mais eficaz, permitindo prever, controlar e mitigar determinados riscos que, infelizmente ou felizmente estamos submetidos, pois, até o simples ato de respirar, nos últimos anos tornou-se um dos maiores riscos. Logo, afirmar que não existirá futuro destituído de riscos é trivial e não constitui nenhuma novidade. Em termos políticos e éticos um dos maiores riscos da sociedade contemporânea, certamente, é o de não querer correr riscos, aliás, não correr riscos é uma estratégia que apenas conduz ao fracasso, como diria Zuckerberg.

Gestão de riscos na Administração Pública

Quando se fala de administração pública, a gestão de riscos, segundo Rodrigo Fontenelle é o elemento chave, a pedra angular das organizações públicas, pois, permite lidar de modo eficaz com as incertezas. No entanto, sua efetiva implementação não é fácil, uma vez que, ao longo dos tempos construiu-se vários mitos em torno desses sistemas que precisam ser desconstruídos. Alguns são parcialmente verdadeiros, mas não representam a realidade das atuais instituições públicas.

De certa forma é até compreensível, uma vez que, em sua gênese, os mitos ajudaram os primeiros homens a dar sentido às incertezas que os rodeavam. Então, como categoria fundante da humanidade é inquestionável sua presença na vida dos homens, pois, sua função primordial era revelar modelos exemplares de todas as atividades humanas. Mas, na administração pública atual, a gestão de riscos não pode guiar-se pelas inconsistências dos mitos, muitas vezes tidos como supostas verdades.

Existem dezenas deles, mas, nosso objetivo não é fazer uma lista interminável. Queremos sim, provocar no leitor a tomada de consciência que, muitas vezes, nossa ‘ignorância’ sobre determinadas matérias nos faz aceitar as soluções mais fáceis e, aparentemente, menos complicadas. Diante disso, os gestores precisam escolher, objetivamente, que estratégia seguir, pois, quando não se tem uma rigorosamente definida, qualquer solução serve.

Não que a gestão de riscos seja uma tarefa, absolutamente fácil, ou a bala de prata para todos os problemas da administração pública, mas é importante que haja minimamente a compreensão dos objetivos que inspiram sua implementação, pois, é um requisito cada vez mais necessário. Segundo especialistas, ela permite que se contabilize o potencial impacto de todos os tipos de riscos em todos os processos, atividades, produtos e serviços prestados.

Mitos

Para nos ajudar a compreender e desconstruir os mitos mais comuns na implementação de sistemas de gestão de riscos na administração pública, Fontenelle sumariza na obra Implementando a gestão de riscos no setor público, uma lista de cinco mitos que passaremos a explicitar:

1. O primeiro mito, está relacionado com a equivocada noção de que implementar um sistema de gestão de riscos implica no aumento de trabalho. Mas, sua implementação, segundo Fontenelle, não pode ser vista como mais uma tarefa. Na verdade, está atrelada a uma mudança de cultura organizacional, mas, isso não acontece como se fosse um passe de mágica;

2. Da mesma forma, o segundo está relacionado com o suposto aumento dos custos da instituição. Na verdade, é o contrário, pois, um sistema eficaz de gestão de riscos é uma aliada na redução de custos, através da otimização dos processos e priorização das demandas. Sendo assim, é preciso definir claramente a metodologia, as responsabilidades e responsabilizações para gerenciar os riscos tendo em conta os objetivos e a política da instituição;

3. O terceiro mito não foge à regra, pois, a visão distorcida de que a gestão de riscos pode engessar os processos institucionais através do aumento de controles, é segundo Fontenelle, uma falácia, pois, um bom gerenciamento de riscos fará com que os gestores conheçam seus processos e, consequentemente, o nível de risco envolvido nas atividades da instituição;

4. O quarto mito, é o fato comum de pensar que apenas através de consultorias externas é possível implementar um bom sistema de gestão de riscos no setor público o que pode, efetivamente, aumentar os custos. Diante disso, Fontenelle assegura que, mais importante do que contratar consultorias é investir na capacitação dos servidores. Estes, poderão atuar como multiplicadores gerando bons resultados a partir de um custo baixo;

5. Finalmente, o quinto mito prende-se na visão enganosa que, para se implementar a gestão de riscos, o gestor precisa necessariamente de um sistema informatizado. Em verdade, muitas instituições, que já possuem sistemas de gestão de riscos avançados, começaram utilizando simples planilhas. Diante disso, Fontenelle assegura que, a falta de recursos para implementar um sistema informatizado não pode ser usado como desculpa para a não implementação de gestão de riscos.

Os mitos ligados aos sistemas de gestão de riscos são tão numerosos que não se esgotam limitando-os apenas aos cinco identificados na obra de Fontenelle. Desta forma, é possível ainda, baseado nos estudos de David Hillson, líder internacional em gestão de risco, enumerar outros tão importantes quanto os citados, nomeadamente:

  • Todos os riscos são ruins;
  • A gestão de riscos é um desperdício de tempo;
  • O que não conhecemos não nos prejudica;
  • O gestor é o único responsável pelo gerenciamento de riscos;
  • Todos os riscos podem e devem ser evitados;
  • O nosso negócio não é arriscado;
  • Gestão de riscos requer números;
  • Os riscos são cobertos por processos existentes;
  • Contingência é para pessoas fracas;
  • A gestão de riscos não funciona.

Contra os mitos, apenas a verdade dos fatos é o caminho. Caminho esse que só é possível percorrer através do conhecimento da verdade, literalmente expresso no versículo de João, segundo o qual “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. No caso concreto dos gestores públicos, conhecer os mitos é importante, porém, conhecer a verdade sobre eles é fundamental para que se possa desconstruí-los em função da boa gestão. Inevitavelmente, chegar-se-á à conclusão de que, o gestor que conhece os riscos a que está exposto, estará em condições de aceitá-los, transferi-los ou mitigá-los sumariamente.

Verdades

Então, seguindo o citado versículo, Hillson aponta um conjunto de verdades associados aos mitos anteriormente mencionados que, certamente, ajudarão os gestores públicos a se libertarem de algumas certezas erroneamente cristalizadas e que em nada ajudam a administração pública. Em síntese, assegura que:

  • Os riscos incluem ameaças e oportunidades e ambos precisam ser gerenciados de forma proativa;
  • Se lidarmos com o risco de forma eficaz não haverá muitos problemas;
  • Os riscos podem prejudicar nosso negócio e a nós também;
  • Cada membro da equipe deve ser um gestor de risco administrando os que afetam sua área;
  • Nem todas as ameaças podem ser evitadas, pois, as vezes evitá-las pode trazer custos elevados;
  • O risco é inerente em todos os negócios e projetos;
  • Muitos riscos não podem ser quantificados, logo, a abordagem qualitativa é necessária;
  • A gestão de riscos deve identificar novos riscos, avaliar sua importância e desenvolver respostas específicas;
  • Incluir um orçamento para riscos conhecidos e contingentes é sinal de sabedoria e não de fraqueza;
  • A gestão de riscos, quando feita corretamente, sempre funciona.

Portanto, esforços contínuos em diversos níveis são necessários para permitir que os gestores de instituições públicas tenham como conhecimento o processo de: avaliação, gerenciamento e busca de feedback sobre os riscos mitigados ou não, uma vez que, ela é parte integrante de todas as atividades de governança e deve ser institucionalizada através de metodologias híbridas de fácil compreensão, implementação, monitoramento e avaliação.

A verdade espelhada em tudo o que acabamos de abordar é que, enfrentar e desconstruir os mitos sobre a gestão de riscos e implementar soluções exequíveis permitirá aos gestores públicos garantir que, sua gestão seja baseada na realidade, garantindo-lhes maiores chances de sucesso.

Enfim, os gestores devem perceber que até mesmo uma decisão correta é errada se tomada muito tarde, como citamos na epígrafe do artigo. Portanto, implementar a gestão de riscos na administração pública é uma decisão correta, mas, precisa ser tomada no momento certo.

Autor: Arlindo Nascimento Rocha

Consultor de Integridade e Compliance na Controladoria-Geral do Município de Niterói (CGM-Niterói); Cientista da Religião, Filósofo e Pedagogo.

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