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Por que precisamos de ‘lideranças de impacto’ na gestão pública?

30.11.2023
Autor: Arlindo Nascimento Rocha
governo

“A aprendizagem e a inovação caminham lado a lado. A arrogância do sucesso é pensar que o que você fez ontem será suficiente para amanhã.”

William Pollard

A gestão pública não é mais o que era há alguns anos. Cada vez mais, especialistas são unânimes em afirmar que uma gestão transformadora, consciente, equilibrada e sustentável precisa ser exercida por um bom ‘líder’. Mas, para isso, é necessário desenvolver novas formas de ‘liderança’ com base em princípios e valores essenciais à gestão pública.

Por essa razão, tornou-se imperioso uma mudança de paradigma nesse quesito para que fosse possível subsidiar o surgimento de lideranças capazes de responder aos anseios e as expectativas da sociedade. Paralelamente a isso, houve também a necessidade de inovar na forma de conceitualização teórica de ‘liderança’. Por isso, é crucial analisar, ainda que genericamente, sua evolução no decorrer da história da teoria das organizações.

É notório que o conceito clássico tenha mudado nos últimos anos, tendo surgido novas classificações, pois, o conceito de liderança não é estático, assim como as teorias sobre ela. Atualmente é comum falar-se em ‘liderança de impacto’. Estudos recentes indicam que se trata de um termo usado com frequência no âmbito das instituições e, talvez, nenhum outro tenha sido usado com tão grau de variedades semânticas. Porém, poucos estão familiarizados com o novo conceito. O que não se pode ignorar, é que ‘liderança’, em seu sentido amplo, é vista como um dos aspectos que mais gera influência na gestão de qualquer tipo de instituição, seja ela pública ou privada.

No entanto, antes de seguir refletindo sobre o conceito supracitado, é imperativo trazer à tona o ‘sujeito’ que exerce, efetivamente, a liderança, pois, sem ele, nenhum tipo seria possível. Falo do líder, mais precisamente do ‘líder de impacto’, ou seja, aquele que é capaz de exercer suas funções de modo a conjugar de forma dinâmica e integrada suas principais características visando impactar positivamente não só seus liderados, mas a sociedade em geral. Pois, atualmente existe uma preocupação mais abrangente, uma vez que o lócus do seu impacto deve ter um caráter axiológico, cultural, econômico, social e ambiental.

Nos atuais modelos de gestão pública, o líder deve ser capaz de exercer a liderança com uma visão ampla e plural, pois, os problemas globais interferem nas decisões locais e vice versa. Nesse aspecto, o verdadeiro líder de impacto deve ser promotor da sustentabilidade e da integridade nas instituições, instigador de bons relacionamentos com a cadeia de valores institucionais, facilitador entre os governos nacionais, subnacionais e, sobretudo, com a sociedade.

Um líder, que merece ser chamado de ‘líder de impacto’, não deve pensar apenas em sua área de atuação ou influência, ou seja, precisa estar atento a tudo o que acontece ao seu redor. Logo, é preciso estar aberto e disposto a debater e disseminar ideias e boas práticas, métodos e metodologias ativas que garantem perenidade, equilíbrio e sustentabilidade, mostrando comprometimento com o todo e com todos. Líderes que pensam nos outros antes de pensar em si próprios demonstram carisma, firmeza e altruísmo.

Muitas pessoas acreditam que a liderança é uma qualidade restrita a poucas pessoas, e que apenas os ‘escolhidos’ podem ser bons líderes. No entanto, quando falamos em lideranças historicamente constituídas, existem, pelo menos, duas questões que não se pode ignorar e que são sempre motivo de discussões acirradas: os líderes nascem ou são fabricados pelas circunstâncias? É um traço de personalidade inata ou pode ser aprendido?

Como tudo na vida, a disparidade de opiniões é uma marca que deixa claro que esse paradoxo (como qualquer outro) é, aos olhos dos especialistas, insolúvel. Insolúvel porque existem aqueles que defendem que ser líder é uma ‘qualidade natural’, enquanto outros defendem que é uma ‘qualidade adquirida’, ou seja, pode ser aprendida e aprimorada continuamente ao longo da vida profissional.

No entanto, não me deterei sobre esse aparente paradoxo, pois, está claro que posicionar-se favoravelmente para um dos lados, certamente, empobreceria o texto. Quero sim, trazer à luz uma reflexão que não é nova, mas, absolutamente necessária numa época em que vivemos sob o império de falsos profetas e gurus que prometem arrancar o ‘líder adormecido’ em cada um que possa pagar por tal milagre.

Não se trata de ceticismo da minha parte, pois, diferente do que é, comumente acusado, o cético é uma pessoa ponderada. Antes de aceitar qualquer informação como verdadeira ou falsa, é preciso esgotar todas as possibilidades para que não restem dúvidas quanto a sua veracidade ou falsidade. Diferente do pirrônico que permanece no estado de questionamento perpétuo, o cético apenas procura a verdade e nada mais que isso.

Então, voltando ao aparente paradoxo que joga dúvidas sobre as duas possíveis formas como emerge um líder, alguns autores optaram por realizar estudos a partir de qualidades pessoais, ou seja, da ‘personalidade inata’ de líderes que tiveram grande impacto, principalmente, na primeira metade do séc. XX. Nessa época o contexto sociopolítico, econômico e ideológico foi favorável ao surgimento de vários líderes totalitários. Então passou a ser frequente confundir a conduta dos líderes da época (Hitler, Stalin e Mussolini, apenas para citar alguns exemplos), como sendo possuidores de qualidades inatas extraordinárias.

Porém, a partir da Segunda Guerra Mundial, o culto a essas figuras nefastas caiu por terra, pois todos saíram pela porta traseira da história. Com a derrocada dos totalitarismos as concepções que definiam líderes a partir de qualidades inatas foram secundarizadas. Logo, acreditar que eram homens que nasceram com capacidades especiais para liderar é um mito que há muito deixou de ser levado à sério. Certamente, se tivessem triunfado poderiam levar à destruição da humanidade, como afirma Hannah Arendt em A Origem do Totalitarismo. Estes, como ressalta Arendt, onde quer que tenham exercido suas lideranças, minaram a essência e a humanidade de muitos homens.

Contrariamente ao que foi exposto, especialistas passaram a sustentar que os verdadeiros líderes não nascem prontos, mas, são forjados pelas experiências concretas. Por isso, passou a ser corriqueiro acreditar que para ser um líder excepcional é preciso passar por experiências excepcionais. No entanto, essa nova visão sobre a emergência dos líderes, certamente, não passou de uma tentativa fracassada de destruir um mito para construir outro.

Entretanto, é preciso frisar que existem indivíduos com esse perfil, ou seja, forjados por experiências, treinamentos e qualificações profissionais, mas, isso não sustenta a tese de que para ser um bom líder é necessário viver experiências excepcionais. Pois, o ato de liderar implica interações diversas e complexas com cada elemento que faz parte do trabalho.

É óbvio que existem indivíduos que despontam naturalmente para exercer a liderança e, certamente, o farão se o ambiente o favorecer. Mesmo assim, precisam de orientação para desenvolver essa habilidade em favor do bem comum. Nesse sentido, a definição de um líder com base apenas em qualidades inatas ou adquiridas não é suficiente para determinar a existência de um bom ou mau líder.

Esse paradoxo, certamente não conduz a nada. Para os que insistem em escolher um lado ou outro, não fazem mais do que andar em círculo, pois ignoram que estes são circuitos fechados. Por isso, é preciso sair desse circuito, uma vez que os exemplos das últimas décadas não se aplicam mais. Logo, é estéril visitar velhas teorias sobre liderança.

Por outro lado, estudos atuais como os de John Maxwell, autor de vários Best Sellers como As 21 irrefutáveis leis da liderança e As 21 indispensáveis qualidades de um líder, apontam novos caminhos. Para Maxwell, tudo começa e termina com a liderança, aliás, o crescimento de uma liderança, deve ser uma escolha diária. Um bom líder é um ‘eterno aprendiz’, e mais, é aquele que mantém acesa a chama e a vontade de partilhar seu aprendizado, cuja aposta não deve ser apenas nos desafios do dia a dia, mas, na geração de comportamentos e valores que possam ser usufruídos por todos.

É a partir desses pressupostos que se pode determinar que impactos um líder pode causar através das suas ações concretas. Por isso, é necessário ter claro do que se trata uma liderança de impacto. Em princípio, lideranças do tipo são identificados mais pela influência positiva no ambiente, do que pela autoridade que representam. Então, influência é a principal marca da liderança de impacto, uma vez que compra a ideia do que precisa ser feito e consegue persuadir sua equipe, através de bons exemplos, transformando o ambiente de trabalho em um lugar democrático, interativo e dinâmico, propício à construção e a partilha de boas ideias.

Em suma, a verdadeira liderança sempre envolve pessoas, valores e comportamentos. Isso ajuda a compreender o velho ditado sobre liderança: se pensa que está liderando, mas ninguém o segue, então está apenas passeando. Líderes cujo caráter é duvidoso, geralmente não são seguidos por ninguém, pois, liderar é a capacidade de entusiasmar pessoas.

Além da capacidade persuasiva, outras qualidades como caráter, visão integrada e de conjunto são extremamente importantes. Certamente, a metáfora da visão da águia e da galinha pode nos iluminar a esse respeito, pois, existe em todas os líderes a ‘visão da galinha’, que é limitada, e a ‘visão da águia’, que é ‘vontade de potência’ como diria Nietzsche, ou seja, a principal força motriz de um líder. Nisso, existe uma diferença crucial, a galinha voa baixo e fixa seu olhar nas migalhas, enquanto que o voo alto da águia lhe permite aumentar seu campo de visão.

Um bom líder não olha para baixo e nem para as limitações cotidianas. Isso, de certa forma revela insegurança, submissão, falsa modéstia ou aceitação enquanto que o olhar  penetrante evidencia confiança, determinação, objetividade, pois, sabem o que querem e não se curvam perante contingências pontuais no ambiente de trabalho.

Na gestão pública, por exemplo, um líder capaz de exercer a liderança de impacto deve, necessariamente, entender de comportamentos, ou seja, de pessoas alinhando suas hard e soft skills em favor da coletividade. Por um lado, deve ser capaz de orientar seus liderados a usarem as hard skills certas para realizar seu trabalho e, por outro, as soft skills certas para realizar um trabalho excepcional, como diria Julia Zhu. Por isso, sua maior força reside na capacidade de transformar situações complexas em oportunidades de superação conjunta.

Sendo assim, o exercício da ‘liderança de impacto’ deve ser visto como um processo explícito de realização de ações que influenciam e transformam mentalidades. Ela está intimamente relacionada a atitudes positivas no âmbito profissional e seu limite determina o grau de eficácia do líder. Portanto, se o limite do líder é alto seu sucesso também o será.

Uma liderança que atua em sintonia com seus liderados, gera um ambiente saudável e propício para o estabelecimento de boas relações interpessoais e menos conflito de interesses e ruídos entre as partes. Nesse sentido, outro requisito importantíssimo é a capacidade de motivar sem o uso de nenhum tipo de opressão ou ameaça. É uma maneira de liderar que se constrói pela confiança, respeito e partilha. Líderes competentes, para além de atuar, inspiram e motivam as equipes a fazer o mesmo, pois, têm por natureza, a força inspiradora. Por isso, possuir habilidades de comunicação é absolutamente essencial para a liderança de impacto.

Nesse contexto, apostar nesse tipo de liderança surge como importante estratégia nas instituições públicas, pois, não é novidade que nem todos líderes estão preparados para os novos desafios que se impõe. Diante disso, é preciso romper com o ciclo vicioso comum de escolher determinados gestores (líderes) com base em afinidades partidárias. É um erro estratégico pensar que o sucesso de uma instituição pública depende da liderança de alguém que pensa e age cegamente segundo determinadas diretrizes.

Para quebrar esse ciclo e criar estratégias de permanência e continuidade, é preciso cada vez mais investir em líderes que tenham como missão desenvolver políticas assertivas que impactem além dos muros da instituição. É preciso ir além, mostrar na prática o quão as decisões que podem melhorar a vida das pessoas e o quanto elas devem e podem estar atentas para colaborar nessa transformação tão necessária.

Por isso, o líder de impacto é aquele que é capaz de combinar suas habilidades com alta competência para elevar os níveis de excelência e influência dentro e fora da instituição, é aquele que determina o tom, que dá as diretrizes, que mantém vivo os valores da ética e da integridade de uma instituição. É aquele que não está preocupado em defender apenas interesses político-partidários, a continuidade no cargo e, sobretudo, seus privilégios.

Para isso, é preciso ser corajoso, ousado, assertivo, confiante e firme colocando sempre o interesse da população em primeiro lugar. Como diria Aristóteles, o líder tem que ser do bem e fazer o bem, tendo como finalidade ajudar sua comunidade. Por isso, deve estar comprometido e preparado para lidar com situações complexas através de uma ética inquestionável.

Respondendo objetivamente à questão: Por que precisamos de ‘lideranças de impacto’ na gestão pública devo dizer que essa demanda surge a partir de uma necessidade crescente da busca pela integridade pública que deve, necessariamente, estar alinhado às leis e normas, aos valores e princípios éticos compartilhados por todos visando priorizar o bem público em detrimento do pessoal, particular ou político-partidário. Além disso, deve estar alinhado com os desafios da governança social e ambiental. Com isso, busca-se minimizar os danos ao meio ambiente, cuidar das pessoas, respeitar as diferenças, promover a igualdade, a equidade e a diversidade no ambiente institucional.

Mas, considerando que os líderes não vivem isolados em uma ilha deserta, naturalmente, a convivência com as pressões internas e externas podem, em certos casos, determinar o grau de sucesso ou insucesso das suas ações. Por isso, a precaução, a perspicácia e a inteligência emocional são pressupostos fundamentais para o exercício da liderança de impacto.

Em síntese, a ‘liderança de impacto’ deve ser exercida por um ‘líder de impacto’, ou seja, por aquele que assume, por um lado, que não sabe tudo e, por outro, que não ignora tudo. E, como disse Maxwell, líderes inteligentes acreditam em apenas metade do que ouvem e líderes perspicazes sabem em que metade devem acreditar. Portanto, se você é um líder e chegou até aqui, siga o conselho: seja inteligente e perspicaz em tudo.

Autor: Arlindo Nascimento Rocha

Consultor de Integridade e Compliance na Controladoria-Geral do Município de Niterói (CGM-Niterói); Cientista da Religião, Filósofo e Pedagogo.

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